12 de julho de 2015

Podem as Máquinas Pensar? - Iluminerd



A Inteligencia Artificial é algo que entrou no nosso dia a dia e não mais fazemos esta pergunta como se ela fosse irrelevante. Todavia, seres artificiais pensantes ainda povoam as telas do cinema e as páginas da ficção científica, mostrando que as promessas e ameças que estes seres podem nos trazer ainda estão no nosso imaginário e merecem que nos debrucemos um pouco sobre o tema.
Será que ela pensa?

Será que ela realmente pensa?

Esta pergunta não é nova. Alan Mathison Turing, matemático inglês, formulou-a nos anos 50, nos mesmos termos. Ele foi um dos pioneiros no desenvolvimento dos computadores digitais e muitos de seus princípios ainda são usados nos modernos computadores. Seus estudos relativos ao que mais tarde seria chamado de Inteligencia Artificial continuam atuais.



Turing, ao começar seu trabalho com computadores, sabia que suas ideias a respeito da capacidade de uma máquina pensar, encontrariam oposição. Então, num artigo intitulado “Computadores e inteligencia”, procurou dar uma resposta a esta pergunta.

A primeira dificuldade para realizar esta tarefa é definir o que é pensar e o que é máquina. Estes termos têm milhares de definições possíveis, porque cada um de nós tem uma ideia, nem sempre exprimível em palavras, do que seja cada uma delas. Seguindo Turing, podemos definir como máquina qualquer objeto construído para realizar uma ou várias tarefas. A sua característica principal é que ela é artificial e, neste ponto, todos concordam. Agora, segundo o matemático, para julgarmos se uma máquina pensa ou não, poderemos usar o mesmo critério que usamos para julgar se um ser humano é ou não inteligente, ou seja, se esta pessoa pode manter um diálogo inteligente.

Porém, quando formos julgar se uma máquina é inteligente ou não, poderemos ser levados por sua aparência não humana e não admitirmos ser ela capaz de pensar.

O jogo da imitação

Como todos somos passíveis de preconceito, Turing imaginou um artifício: o jogo da imitação.

Neste jogo, participam três jogadores: dois seres humanos e uma máquina. Um dos seres humanos tem a função de descobrir quem é máquina e quem é o ser humano, fazendo determinadas perguntas. As perguntas e respostas são enviadas por um mensageiro, para evitar o contato entre os jogadores.

Se, neste jogo, o terceiro jogador não souber diferenciar quem é o homem e quem é a máquina, então poderemos dizer que a máquina pensa.

O diálogo a seguir mostra o exemplo de um conjunto de perguntas e respostas entre um homem e uma máquina hipotética que, se tivesse acontecido em um jogo de imitação, poderia ser perfeitamente confundido com um diálogo entre dois seres humanos.

A máquina hipotética descrita no artigo de Turing seria capaz de interpretar textos, inclusive poesias. Ela seria inquirida por um professor de literatura, como faria com um aluno, para ver se era capaz mesmo de entender o que leu. Veja um trecho (adaptado de um artigo de Turing):

Homem (referindo-se a um poema apresentado a uma máquina): No primeiro verso, “Devo eu te comparar a um dia de verão (summer no original)?”, “um dia de primavera (printemps) ” não estria igualmente bem ou melhor?

Máquina: Não tem o número certo de sílabas.

Homem: Que tal “um dia de inverno (winter)”? Tem um número correto de sílabas.

Máquina: Mas ninguém quer ser comparado a um dia de inverno.

Homem: Mas, você não acha que São Nicolau não lhe faz lembrar o Natal?

Máquina: De certo modo, sim.

Homem:
Contudo, o Natal (na Inglaterra) é um dia de inverno e não creio que São Nicolau fizesse objeções a esta comparação.

Máquina:
Não creio que você esteja falando sério. Quando se diz “um dia típico de inverno”, quer dizer um dia típico de inverno e não um dia especial como o Natal.

Turing desenvolveu este teste para não esbarrar com problemas de ordem metafísica, como a possibilidade de uma máquina ter consciência de si mesma, ou seja, chegar um dia a dizer: “Penso, logo Existo”, como um robô-Descartes.

O cientista, em outras palavras, admite que o que interessa é um resultado inteligente, uma resposta adequada ao problema proposto, não importando se a máquina tem ou não consciência ou emoções.

Se você quiser brincar um pouco, clique aqui.
Nos anos 50, além de Turing, um outro matemático célebre se dedicou ao estudo do cérebro artificial (a imprensa da época já chamava os computadores de cérebros eletrônicos): John von Neumann. Este pesquisador americano, como muitos de seus seguidores, acreditava que, para desenvolver a inteligência em uma máquina seria necessário conhecer-se primeiro o cérebro humano. Ele tentou, então, formular uma teoria matemática do comportamento humano, mas diante do tamanho descomunal dos computadores da época, duvidou da possibilidade de concretizar seu objetivo.

Seguiram-se numerosas discussões de caráter filosófico até que, em 1956, cunhou-se o termo Inteligencia Artificial para estas pesquisas, numa conferência que reuniu os primeiros especialistas do ramo. Todavia, apenas o nome da disciplina foi um consenso geral. Os pesquisadores divergiam nos métodos para alcançar os objetivos da nova ciência. Muitos acreditavam, como Neumann, ser necessário uma teoria e um modelo do cérebro humano, enquanto que outros achavam necessário fornecer problemas simples às máquinas já existentes.

Entretanto, estas discussões amainaram quando dois pesquisadores da Rand Coroporation, Allen Newell e Herbet Simon, descobriram que não era necessário compreender o cérebro para dar inteligência à máquina, mas sim compreender o comportamento humano. Ambos trabalhavam fazendo pesquisas sobre psicossociologia para a Força Aérea dos Estados Unidos da América e, por brincadeira, introduziram os resultados de suas pesquisas no computador, de tal maneira que a máquina reproduzisse determinados comportamentos tipicamente humanos. O resultado foi surpreendente. O computador, entre outras coisas, demonstrou um teorema de matemática de uma maneira mais elegante que a comumente aceita.

A partir daí não mais seria necessário estudar o cérebro humano, mas somente suas funções para dar inteligência à máquina. Em outras palavras, seria preferível a psicologia à fisiologia.

Da década de 60 em diante, muitos pesquisadores seguiram a linha de raciocínio de Newell e Simon, divididos em duas escolas. Uma delas, preocupada em desenvolver máquinas capazes de trabalhar com regras lógicas simples, com silogismo do tipo:

Todos os homens são mortais

Sócrates é homem

Logo: Sócrates é mortal

A outra, preocupou-se em dar às máquinas conhecimentos especializados de uma determinada ciência, os Sistemas Especialistas. Sistemas deste tipo tornaram-se famosos, como, por exemplo, o Mycin, um “especialista” em análises clínicas, baseado em sintomas de pacientes.

Entre os programas especialistas, surgiu em 1968 o Shrdlu, com duas funções básicas: reconhecimento de linguagem e ser uma “máquina que aprende”. O programa era parte de uma pesquisa destinada ao desenvolvimento de uma teoria da aprendizagem que pudesse ser aplicada na própria IA.

A interface do Shrdlu com o mundo exterior era formada por um teclado, onde o pesquisador se comunicava com ele, sensores que “viam” os objetos (estamos em 68, as câmeras digitais não estavam nem perto de serem inventadas!), uma saída impressa e uma mesa com uma caixa e vários objetos geométricos simples (esferas, cubos, prismas e pirâmides) espalhados dentro e fora dela, que seriam mexidos por meio de mecanismos robóticos. O software recebia ordens do pesquisador para construir objetos novos, juntando os elementos simples, como se fosse uma criança brincado com Lego. Shrdlu podia ser questionado sobre seu comportamento a qualquer momento. Eis o exemplo de um diálogo entre um homem e o Shrdlu:

Homem: O que a caixa contém?

Shrdlu: A pirâmide azul, o cubo amarelo e a esfera azul.

Homem: Quantos cubos estão fora da caixa?

Shrdlu: Quatro.

Homem: Algum deles é mais estreito que aquele que está na caixa?

Shrdlu: Sim, o cubo vermelho.

Homem: Existe um campanário dentro da caixa?

Shrdlu: Desculpe, eu não sei o que significa “campanário”!

Homem: Um campanário são dois cubos e uma pirâmide empilhados.

Shrdlu: Compreendo.

Homem: Existe um campanário?

Shrdlu: Não.

Homem: Construa um.

A máquina cumpre a ordem.

Homem: Porque você apanhou a esfera azul?

Shrdlu: Para me livrar dela.

Homem: Por que você pegou o cubo vermelho?

Shrdlu: Para colocá-lo sobre o cubo amarelo.

Certamente este diálogo satisfaz em parte o teste de Turing. Poderemos confundir este computador com uma criança, se ambos estiverem fazendo o mesmo tipo de jogo, ou seja, brincando com blocos. Se fizermos qualquer outra pergunta fora das regras deste jogo, Shrdlu não será capaz de responder satisfatoriamente.

Este é o problema básico dos programas inteligentes: são especialistas totalmente bitolados (às vezes como um especialista humano).

Mas o que falar do Siri (interface de comando vocal – ou “assistente pessoal” – para o iPhone 4S da Apple? Veja este artigo da revista digitalSmart Software.

As objeções à Inteligência Artificial

Turing, em seu artigo Computadores e Inteligência, levantou diversas objeções à Inteligencia Artificial e procurou respondê-las. Suas respostas são bastante contundentes e difíceis de contestar, o que nos convida a, pelo menos, reexaminar nossos conceitos sobre o que épensar.

1) Objeção Teológica

Pensar é uma função da alma humana, um dom fornecido por Deus ao homem.

Resposta de Turing: “se Deus pode dar este dom aos homens, pode dá-lo a qualquer ser, um elefante ou… uma máquina, porque, sendo Ele onipotente, não tem nenhuma limitação em seus poderes, podendo fazer qualquer coisa”.

2) Objeções da “Cabeça na Areia”

As consequências do pensamento das máquinas serão terríveis. Esperemos que elas nunca ocorram.

Resposta de Turing: “isto não é um objeção real. Não passa de uma simples negativa de ver a realidade. Quem defende esta opinião não examinou a questão a fundo e apenas esconde sua cabeça na areia, como um avestruz”.

3) Objeção Matemática

Certos teoremas da lógica matemática demonstram que há limitações nos poderes de uma máquina (Teorema de Gödel, em 1931, de Keene, em 1935, de Church, em 1936, Russer e Turing, em 1937). Estes teoremas mostram, de maneira direta ou indireta, que é impossível construir uma máquina capaz de resolver qualquer problema dado. Isto é, devido ao processo de resolução de problemas por máquinas, pelo menos na época de Turing, era baseado na axiomatização e formalização matemáticas. Gödel provou que era impossível axiomatizar a aritmética e o próprio Turing provou que é impossível construir uma máquina capaz de resolver qualquer tipo de problema.

Resposta de Turing: “mesmo que uma máquina não possa resolver um determinado tipo de problema, é sempre possível criar uma que possa. Esta nova máquina pode não resolver outros, inclusive alguns que a máquina anterior podia. Além disso, nem mesmo os seres humanos podem ser capazes de resolver todo e qualquer problema. Somos limitados pelos nossos conhecimentos e nossas habilidades. Todavia podemos encontrar um outro ser humano que pode resolver um problema para o qual não conseguimos encontrar solução, embora esta pessoa possa ser incapaz de fazer determinadas coisas que nós sabemos.”

4) O Argumento da consciência

Somente quando as máquinas puderem ter consciência, ou seja, saberem que são e não apenas serem, é que poderemos admitir que as máquinas pensam.

Resposta de Turing: “este tipo de objeção cai num solipsismo, ou seja, só podemos saber se uma máquina pensa se podemos nos tornar a própria máquina. O que na realidade devemos fazer é julgar se uma máquina é inteligente ou não pelos resultados que ela nos fornece, como fazemos com as pessoas a nossa volta.”

5) Argumentos de várias incapacidades

Este argumento diz que uma determinada tarefa é impossível de ser realizada pela máquina. Por exemplo, ter sentimentos, ser criativa, ter inciativa, aprender com a experiência etc.

Resposta de Turing: “as críticas apresentadas são formas disfarçadas de argumento da consciência e devem ser respondidas da mesma maneira.”

6) A objeção de Ada Byron, Lady Lovelace

O nome “Ada Byron” está ligado à Máquina Analítica, de Charles Babbage. Ela pode ser considerada a primeira programadora de computadores da história e forneceu à posteridade uma descrição pormenorizada da Máquina Analítica, numa dissertação datada de 1842. Neste trabalho, encontramos os seguinte trecho: “a Máquina Analítica não tem nenhuma pretensão de criar o que quer que seja. Pode fazertudo o que saibamos ordenar-lhe que faça.” (os grifos são de Ada Byron).

Resposta de Turing: “isso não impede que possamos construir uma máquina que possa “aprender” ou a “pensar por si mesma”, desde que saibamos ordenar-lhe isto.

7) O argumento da continuidade dos sistema nervoso

O sistema nervoso, ao contrário do computador, não é uma máquina de estados discretos.

Resposta de Turing: “no jogo da imitação o interrogador não pode tirar qualquer vantagem disso, porque um computador poderá resolver qualquer problema matemático por métodos numéricos aproximados.”

8) O argumento da informalidade do comportamento humano
É impossível descrever um conjunto de regras de conduta que pretenda predizer o que um homem faria num dado momento ou em qualquer circunstância imaginável.

Resposta de Turing: “exite aí uma confusão entre “regras de conduta” e “leis comportamentais”. Quem conhece psicologia pode dizer que tais leis de comportamento existem, portanto é possível construir uma máquina que obedeça a tais leis.

9) O argumento da percepção extrassensorial

Certo fenômenos parapsicológicos (telepatia, clarevidência, premonição e psicocinética) não podem ser explicados pela ciência tradicional. Nenhuma máquina é capaz de reproduzir estes fenômenos.

Resposta de Turing: “é necessário mudar radicalmente o jogo da imitação para que possamos encarar estes fenômenos. Ainda não tenho uma resposta definitiva, mas devemos ter em mente que devemos isolar estes fenômenos de nossa prova, já que eles ainda são mal compreendidos pela ciência e não atingem todos os seres humanos.”

O Quarto Chinês – O teste de Turing às avessas
O filósofo John Searle, em 1980, propôs um experimento teórico visando refutar os teóricos da Inteligência Artificial. Basicamente, o “Quarto Chinês” é uma sala fechada com apenas uma abertura onde uma pessoa que ignora totalmente o idioma chinês responde perguntas feitas neste idioma. Esta pessoa recebe pela abertura uma pergunta escrita em chinês, e por meio de um manual, escolhe os caracteres de resposta, e devolve pela abertura.

Para quem está do lado de fora, as respostas parecem coerentes e tem a impressão de que a pessoa que está lá dentro entende chinês.

Já que, segundo Searle, a pessoa no quarto não entende o chinês e ela está executando mecanicamente a leitura de um manual, então não está acontecendo nenhuma compreensão do idioma, ainda que a execução do programa seja correta. Portanto, se não há compreensão, não há pensamento.

Turing, no entanto, em sua proposta já descarta esta preocupação. O que ele está procurando não é uma prova direta do pensamento ou consciência de uma máquina, mas se ela pode executar tarefas que sejam similares ao pensamento humano.


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